Padre Vilson Groh

Quando está em casa, literalmente, portas e janelas estão sempre abertas, e é certo que alguém vai chegar pra uma visita, um café, um pedaço de bolo. Ou, como de costume, para trazer de presente algumas frutas que lhe são ofertadas, às vezes, em troca de um pouco de atenção, escuta e afeto. Ele aponta para o cesto abarrotado que ocupa uma das banquetas. “Ainda hoje eu ganhei essas laranjas. Era uma estratégia pra vir bater papo e eu não posso dizer: agora não tenho tempo pra senhora. Antes, atendi uma outra pessoa que veio aqui porque não tinha o que comer, então tu tens que atender e dizer entra, vamos conversar.”Foto: igreja no alto de uma escadaria

São detalhes que transparecem a vida autêntica do homem que habita esse lar fraternal e que ficou conhecido por uma opção de vida peculiar: Padre Vilson Groh, o padre que foi morar no morro.

Hoje, a acolhedora casa de alvenaria laranja é bem dividida e abriga um lar colorido e repleto de memórias afetivas, onde se vê cada canto do ambiente ornado de objetos e de fotografias que contam a sua história. Dividem o espaço artesanatos de distintas referências culturais, étnicas e religiosas em um ambiente que subverte o que o imaginário popular supõe que seja a vida inflexível de um clérigo. No início, a primeira moradia do Padre era uma casa de madeira, pequena no tamanho, mas onde cabia a imensidão de sua força de vontade para trabalhar junto da comunidade. Dentre os poucos pertences, os livros que o acompanham desde sempre.

A literatura sempre esteve presente na vida de Vilson Groh desde a juventude, que começou com o encantamento pelas histórias que contavam a vida dos santos. Ao folhear aleatoriamente as Divagações Poéticas do padre Fernando Steffens, na sua atual biblioteca, surge um verso que nos ajuda a refletir sobre a opção singular de vida adotada pelo Padre Vilson desde a juventude:

Padre Vilson Groh na biblioteca
O que mais preciso desarrumar

Para tornar-me outro

Sem perder os princípios

E sem deixar de ser eu mesmo?

Fernando Steffens

 A começar, poderia ser o fato de ter optado por morar junto dos excluídos, vivendo de modo mais efetivo entre o que se prega e o que se faz. Com essa atitude, Padre Vilson desmantela uma estrutura própria da formação do mundo eclesiástico quando relembra, em um exercício de autocrítica, sobre a própria formação dos estudantes de Teologia. A dinâmica do ensinamento do Evangelho lhe parecia distorcida, na medida em que Jesus, filho de carpinteiro, declina justamente da posição social que ocupava. Proveniente de uma família onde o pai, José, tinha o ofício de carpinteiro, Jesus migra para o mundo da escória na época, o dos totalmente apartados da sociedade: o dos leprosos, das prostitutas, dos que já não tinham mais nada nem mesmo a perder. “Jesus, na verdade, desvela o véu sobre a naturalização da injustiça. Esse, metodologicamente, é o meu caminho.”

Ele mesmo, Vilson, filho de um operário, fez sua opção pelo mundo dos pobres. Em sua casa, a congregação se dá em torno da mesa de jantar do exímio cozinheiro. E é da infância que vêm as lembranças da mesa como expressão da coletividade, com a imagem da família reunida na partilha do alimento. 

 

“É a expressão, para mim, do coletivo na minha vida, porque os 11 filhos cabiam na mesa, que para nós sempre representou o trabalho, a partilha, a ajuda, a festa, a oração”, relembra.

Padre Vilson Groh orando com a comunidade

Essa simbologia da mesa e da partilha do alimento tem profunda relação com o lema sacerdotal adotado há mais 40 anos, desde a ordenação, e eternizado na patena que acompanha o cálice utilizados em suas celebrações. É do Evangelho de Mateus que surge a inspiração para a missão de vida do Padre Vilson: o combate à fome e o acolhimento ao próximo. 

Cálice

“Eu estava com fome

Eu estava com sede

Eu estava sem roupa

Eu era estrangeiro

Eu estava preso

Todas as vezes que vocês

Fizerem isso a um dos

Menores dos meus irmãos

Foi a mim que fizeram.

(Mt. 25, 31-46)

Padre Vilson fala de modo firme, pausado e sereno. O timbre é suave e com um tom de voz que não se altera. De postura esbelta e fartos cabelos grisalhos, transparece sempre a mesma autenticidade de quem dialoga, de igual para igual, com os diversos atores sociais. O trânsito entre elite e periferia confere ao Padre Vilson a capacidade de propiciar o diálogo entre duas realidades muito antagônicas, construir conexões, promover encontros e tecer elos de esperanças entre os extremos da cadeia social que, na sua visão, estão intimamente interligados.

“O que fazemos é criar pontes. Não é virar as costas pro centro.
Não é uma luta inglória. A gente dialoga na construção de uma perspectiva equânime da cidade.”

 

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