CARTA ABERTA DAS COMUNIDADES E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL
Vivemos um momento de pandemia por conta do COVID-19, um momento sem precedentes, de escala global, e que impõe desafios a todos nós. Desafios esses, que vão além dos danos diretos à saúde das pessoas, mas também enormes impactos socioeconômicos para uma população que já vinha sendo vitimada por uma grande crise de trabalho e renda. Neste momento, há uma nova e crescente parcela dessas trabalhadoras e trabalhadores, formais e informais, que estão perdendo seus empregos ou tendo drasticamente diminuídas suas fontes de renda.
Sabe-se que sempre existiram desigualdades sociais e uma negação explícita dos direitos humanitários e constitucionais de proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice, às pessoas com deficiência, à população LGBTs, às pessoas em situação de rua, aos povos tradicionais da pesca, Quilombolas, e Indígenas, mas com a crise advinda do COVID-19, vê-se a urgência dê atenção por parte do poder público, em especial as ocupações urbanas de Sem Tetos e as áreas empobrecidas sem regularização fundiária e salubridade habitacional e Sanitária.
Historicamente as entidades de Assistência Social tem ocupado um papel fundamental na defesa e garantia de direitos das populações periféricas e é evidente o sucateamento que as políticas públicas têm sofrido nos últimos anos. O reflexo deste movimento se percebe por serviços que na prática nunca foram efetivos como, por exemplo, a presença dos CRAS nos territórios. Com a pandemia do COVID-19, a situação que já era crítica, se torna ainda mais explícita e agravada.
Neste contexto alarmante, diversos sujeitos pertencentes a esses processos de mobilização comunitária tem se reunido para pensar estratégias conjuntas para enfrentamento dos desafios evidenciados nas periferias e reforçar a necessidade de comprometimento do poder público.
Reforçamos a defesa não só de um Sistema Único de Saúde, mas de um Sistema Único de Assistência Social que, de forma integrada, promovam a vida e suas condições de existência, garantindo os direitos básicos da população. Entendemos que é fundamental a solidariedade entre as pessoas, o investimento do setor privado e a atuação das organizações da sociedade civil mas ressaltamos a importância da presença do Estado, cumprindo seu papel constitucional e atuando de forma assertiva no enfrentamento dos impactos causados pela pandemia.
Viemos, portanto, através desta Carta, formalizar essas preocupações referentes ao atendimento da população e convocar o poder público para que respondam efetivamente pela execução imediata de medidas de prevenção e a encontrar soluções e estratégias para minimizar os impactos causados pela pandemia e pelo período de isolamento social. Destacamos abaixo, demandas levantadas pelos líderes das diferentes comunidades do Maciço do Morro da Cruz e por profissionais que atuam em OSCs e diretamente com essas populações.
- ACESSO AOS CRAS. Os Centros de Referência em Assistência social estão de portas fechadas para a comunidade, realizando atendimentos remotamente (através de e-mail, telefone ou redes sociais) e deste modo fazendo agendamentos para os atendimentos presenciais. No entanto, há uma demanda emergente de que muitos usuários encontram uma série de dificuldades para realizar o acesso através desses meios, e outros queixam-se de não receber retorno aos seus questionamentos e de não conseguir realizar agendamento para o atendimento presencial, o que não deixa claro quantos atendimentos estão sendo agendados e realizados e o quão efetivo está sendo este equipamento público. Entende-se que o CRAS deveria ser a porta de entrada e a referência da Política de Assistência Social, mas diante dessas situações, este papel está sendo transferido para as OSCs que atuam nas comunidades.
- COMUNICAÇÃO. Além das dificuldades de acesso, existe uma dificuldade relacionada à Comunicação, pois boa parte dos materiais que estão sendo produzidos não possuem linguagem acessível, dificultando a compreensão por parte da população mais vulnerável.
- IMIGRANTES. Sabemos que a Secretaria de Assistência Social de Florianópolis ao encerrar as atividades do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI) repassou o atendimento dos imigrantes para o CRAS. Porém nesse contexto de Pandemia ficou ainda mais evidente, o quanto esta população está à margem da Política do SUAS, no qual a maioria dos imigrantes não possuem Cadastros Únicos, documentações pessoais, desconhecem dispositivos como o CRAS e apresentam dificuldades em acessar os benefícios emergenciais seja pelo idioma ou por não ter acesso à internet.
- AUXÍLIO EMERGENCIAL E OUTROS BENEFÍCIOS EVENTUAIS. Em relação a esses benefícios, há uma grande dificuldade por parte da população para a realização do cadastro, verificação da situação e esclarecimento de dúvidas. Considerando o contexto de vulnerabilidade das comunidades da periferia, situações como falta de internet, analfabetismo e total desconhecimento de ferramentas tecnológicas, torna-se extremamente necessário a manutenção do atendimento presencial com as devidas medidas de proteção à saúde (fornecimento de máscaras e álcool em gel, assim como orientação para o cumprimento do distanciamento mínimo entre as pessoas). Restringir o atendimento aos e-mails e ligações, que não são atendidas, equivale a cada vez mais excluir uma camada da população que já vem sofrendo com todo tipo de violência e negligência por parte da gestão pública. Além disso, faz-se necessária a prorrogação do prazo de três meses de concessão do auxílio emergencial para 1 (um) ano. Os impactos da crise econômico-sanitária irão permanecer de forma severa ao longo de todo o ano de 2020, o que impõe ao Poder Público o dever de assistir as populações vulneráveis ao longo de todo esse período.
- SEGURANÇA ALIMENTAR. Ter acesso à alimentação de qualidade e com valor nutritivo adequado é direito de todas as pessoas, porém, é sabido que historicamente as comunidades de periferia sempre tiveram esse direito violado, e com a pandemia essa defasagem tende a crescer cada dia mais. As crianças que antes estavam acostumadas a ter de três a quatro alimentações por dia em seus ambientes escolares, hoje não conseguem ter ao menos uma alimentação equilibrada. A ineficácia do Estado respinga na população já oprimida e violada em seus direitos.
- VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. Diante do aumento exponencial de casos de violência doméstica neste período de Isolamento, onde confinadas em seus lares por causa da pandemia da Covid-19, mulheres, crianças e adolescentes são vítimas em potencial das mais diversas formas de opressão e violação de direito, é necessário respostas mais efetivas do poder público. Estratégias para preservar vidas para além da pandemia precisam ser pensadas. Ações do Estado por meio do CREAS, Delegacia da Mulher, RAIVS- Rede de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual, entre outros órgãos, precisam chegar às comunidade. Neste sentido é necessário construir mecanismos seguros de denúncia direta e imediata e reforçar os meios de comunicação, de acolhimento e atenção às vítimas.
- Precisamos fazer cumprir os princípios de equidade destes Sistemas Únicos e PRIORIZAR A TESTAGEM PARA O CORONAVÍRUS NAS COMUNIDADES mais vulneráveis. As condições mais precárias de isolamento e os primeiros dados sobre a velocidade de propagação do vírus nas comunidades de periferia, torna essa prioridade uma condição inegociável para o sucesso do enfrentamento à pandemia da cidade como um todo. E a integração entre a estrutura de Saúde com a de Assistência Social é condição essencial para essa estratégia.
- ABASTECIMENTO DE ÁGUA, SANEAMENTO BÁSICO E HIGIENE. Vê-se urgente e necessário se pensar em medidas de melhorias da regularidade de abastecimento de água, rede, ligações e oferta de caixas de água para solução individual/ coletiva; Obras emergenciais de saneamento para solucionar o esgoto a céu aberto, e oferta de banheiros ou melhorias individual/coletiva para adequação sanitária; E fornecimento de máscaras, álcool gel e sabão para pessoas e residências.
- ISOLAMENTO TEMPORÁRIO. Diante das condições precárias de isolamento nas comunidades mais vulneráveis vê-se necessário oferta de espaço de quarto, casa ou apartamento para acolhimento e garantia de Segurança da Quarentena para contenção, isolamento, controle, acompanhamento e tratamento adequado de saúde e sanitário, dos contaminados, que não tenham condições adequadas e seguras em suas residências. Sugerimos o uso de espaços militares, que possuem boa estrutura, mas muitas vezes se encontram ociosos.
Diante desses apontamentos, é, portanto, urgente que os gestores públicos na forma da lei apresentem um PLANO DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA, prevendo ações a curto e médio prazo. Para tanto sugerimos a CRIAÇÃO DE UMA MESA DE CRISE que una representantes das Secretarias Municipais de Saúde e Assistência Social e das OCSs que estão presentes na ponta do enfrentamento à situação de pandemia e também a criação de COMITÊS LOCAIS, que promovam essa articulação intersetorial e o diálogo com as lideranças comunitárias. É preciso fortalecer a rede socioassistencial a partir de ações concretas, sendo o poder público o principal agente aglutinador. É preciso que poder público não se fragmente e compreenda a necessária articulação direta, também, entre as Secretarias Municipais e Estaduais no combate e enfrentamento ao coronavírus , bem como a atenção conjunta a população que já vive os enfrentamentos das violações de direitos no cotidiano, acirrados na atual conjuntura pela Pandemia.
As organizações da Sociedade Civil continuam, em especial neste período de pandemia, realizando trabalhos imprescindíveis de defesa aos direitos sociais fundamentais. Mas, neste momento é preciso ampliar a aplicação das políticas públicas e UNIFICAR TODAS AS AÇÕES, em especial as voltadas para a população mais vulnerável.