“A solidariedade não é decreto. Nasce no coração”, diz padre Vilson Groh

"A solidariedade não é decreto. Nasce no coração", diz padre Vilson Groh Marco Favero/Diário Catarinense

Padre Vilson Groh desenvolve políticas públicas que promovem a cidadania em comunidades carentes de Florianópolis

São 37 anos desenvolvendo políticas públicas que promovem a cidadania em regiões socialmente vulneráveis. Décadas de um trabalho que hoje atende 5 mil pessoas por mês no instituto que leva seu nome. Tanto tempo de causa surgiu um projeto para ampliar as conquistas que o padre Vilson Groh semeou em algumas das comunidades mais carentes da Capital. 

Batizado de “Segurança Cidadã”, a proposta, em fase embrionária, é ousada e visa oferecer toda uma revisão do atual modelo de segurança pública, atualmente baseado na repressão, para uma sistemática mais humana, focada na solidariedade e criação de oportunidades para explorar o capital social das regiões mais pobres da cidade.

O padre Vilson, em parceria com o empresário Walter Koerich, pretendem germinar um projeto que levaria trabalho, oportunidades e dignidade para pessoas hoje esquecidas pelo poder público.

Confira entrevista

Qual a finalidade do projeto de segurança cidadã, que o senhor deseja implantar aqui em Florianópolis?

Em primeiro lugar, rediscutir o papel da segurança que temos hoje. O conceito de segurança atual está baseado em três pilares: criminalização, encarceramento e judicialização. Todos esses centrados sobre o pé da repressão. Nós temos no Brasil, 700 mil encarcerados, a grande maioria é jovem. No Brasil, 60 mil jovens são assassinados por ano. Diante dos dados de uma população juvenil empobrecida, presa e assassinada, temos de nos perguntar se esse modo de fazer segurança, baseado nesse tripé, é a saída para o país? Não é. O sistema que está aí é fadado ao fracasso. Não dá para desvincular segurança pública do conceito de políticas públicas. Só que hoje não há discussão, tanto no poder público como na sociedade civil, desse pensamento que eu trago de segurança cidadã, que envolve o Estado, a sociedade civil organizada, movimentos sociais e demais atores da vida em sociedade.

Qual é a essência desse projeto?

A minha firme convicção nesse trabalho todo é de que onde se implementa oportunidades e gera instrumentos para a juventude, cria condições de saída dessa realidade cada vez mais violenta para os jovens de Florianópolis e do Brasil. E a ideia do projeto, que nada mais é do que buscar a pacificação nos morros e periferias da capital, nasce dos quase 40 anos de atuação do instituto (Instituto Vilson Groh – IVG), que aponta ser possível pensar a cultura da paz, da segurança cidadã e implementar um projeto assim em Florianópolis, com foco partindo da periferia na juventude, na criança e no adolescente. Porque precisamos partir dessas áreas hoje invisível, para tentar torná-la visível na materialidade do direito, a concretude do mesmo na prática, que significa simplesmente a geração de oportunidades. Esse é o grande caminho. O projeto está nascendo, mas é nesse cenário, de eleições no Brasil e possíveis mudanças, que devemos discuti-lo, porque essa prática está implicada em justiça e controle social, bem comum e gestão pública. Segurança cidadã é criar uma consciência crítica do controle da administração pública por parte da sociedade civil. Uma intervenção da sociedade na inversão de prioridades, para pensar ela pelos extremos das cidades. Entendemos que através da segurança cidadã poderemos construir um pacto pela paz em Florianópolis.

Como seria possível implantar esse projeto em uma sociedade cada dia mais intolerante?

Em primeiro lugar, que é o que estamos executando nesse momento, fazer um diagnóstico objetivando conhecer a situação local, os principais gargalos, interesses e atores representativos da comunidade. Um exemplo são as comunidades do Maciço do Morro da Cruz, onde vivem 60 mil pessoas, sendo que 37 mil delas em condições de pobreza.

No papel, essas palavras são bonitas, mas a gente sabe que a realidade é outra. como esse projeto conseguirá ir a frente?

São três grandes vertentes: trabalhar o olhar de inclusão social, o exercício da cidadania e a geração de políticas públicas, que seria o papel do Estado de vir junto nesse processo. Temos ainda a corresponsabilidade da sociedade civil e das instituições, desde as universidades até o mundo empresarial, para entrar num processo de discussão participativa e olhar o capital social que as comunidades têm. Porque todas elas têm um grande capital social. Sei disso porque o instituto trabalha com crianças desde a primeira escola até a universidade, dos seis aos 24 anos, e temos a prática de um trabalho que aponta perspectivas.

 FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL - 16/08/2018Padre Vilson Groh

“Não é natural que eu, como padre, faça o funeral de um jovem assassinado com 16 anos”, diz padre Vilson Groh

Como viabilizar projeto tão complexo?

A viabilidade passa por um processo de sensibilização de toda a sociedade. E, principalmente, romper com os processos que opõe centro e periferia, eclodir com a invisibilidade dessas pessoas carentes, porque a partir disso você não naturaliza mais a injustiça social, o grande mal dos nossos dias. Não é natural que eu, como padre, faça o funeral de um jovem assassinado com 16 anos. Não pode ser visto como normal que mães enterrem seus filhos com 18 anos. Eu acho que nós temos que criar uma cultura da não naturalização da violência, da injustiça e do acostumar-se com pessoas em situação de rua morrendo de frio, como ocorreu este mês com o seu Manoel em frente a uma agência bancária na Praça XV. Não é natural. Isso significa que precisamos reconhecer o outro como pessoa. A solidariedade não é decreto. Ela nasce na pele, no coração. A juventude não é problema, mas sim a solução. E parece um empecilho porque o conceito que se faz sobre a violência é o de criminalização da periferia. A periferia não é parte da solução no sistema atual, mas precisa ser.

Como desconstruir preconceitos?

Você só desconstrói preconceitos com relação de proximidade. Só os desconstrói quem se coloca no lugar do outro. Quando você se coloca na pele do outro, no contexto do semelhante.

E como fazer isso, padre, em uma sociedade cada vez mais indiferente ao outro?

É difícil. Mas eu acredito, porque se não acreditarmos, daí sim não faremos nada. Nós temos que potencializar para essa juventude o legado de que eles precisam perseguir seus sonhos, romper com esse processo da impotência do sonhar, porque quando tens sonhos, utopia, você vai além.

Quais os gargalos existentes hoje nas periferias de Florianópolis?

O principal deles é a falta de políticas públicas, a inércia do Estado para com essas pessoas. Outro é o desemprego. A falta de mão de obra qualificada também.

Outro gargalo, cada vez mais comum, são os jovens, crianças em muitos casos, trabalhando para o tráfico de drogas.

Esse é o gargalo da juventude que não tem opção. Esse é um caminho de opção, porque quando você não possui mão de obra qualificada, não tem emprego, não terá uma escola com qualidade, para onde  você empurra essa juventude? Quem assume essa juventude? Quem abraça? Aí é que está. Quando a gente fala nos gargalos, temos que pensar nas questões estruturais, não dá para discutir uma cidade sem colocar o dedo nos mecanismos que a produzem. E para pensar os obstáculos temos que entender essa realidade, para depois darmos o outro passo. Esperamos conseguir, até o final deste ano, uma articulação formada para detalhar melhor o que buscaremos com tudo isso.

Temos agora uma campanha eleitoral. O que o futuro governador deve fazer para gerar novas oportunidades que afastem os jovens do crime?

Não quero ouvir discursos de que vão atender a juventude. Quero saber, quantos jovens vão ser atendidos? Onde vão ser atendidos? Quais vão ser atendidos? E a partir disso, quais propostas vão ser implementadas. Você olha os discursos políticos e as propostas políticas e são sempre iguais.

O senhor lembrou que na semana passada um idoso morreu de frio no centro de Florianópolis. Naquela noite, o local que acolhe pessoas em situação de rua não abriu porque a temperatura era superior a 10ºC. Qual a responsabilidade do poder público na morte dele?

É não ter tido um olhar de política pública, concreta, real. E vai além dos 10ºC,  além do termômetro. Você não pode mensurar uma pessoa pela temperatura. Uma pessoa tem vida. Tem um contexto. E se eu não olhar ela por essa dimensão, vou olhar por mensuração? Hoje em dia descartamos as pessoas. Vivemos na sociedade do descarte. O Papa Francisco diz que nós vivemos em uma sociedade que se tornou tão intolerante que a gente descarta o outro com a maior facilidade. E não descarta o outro é reconhecê-lo. Esse é o grande caminho, reconhecer o outro. Políticas públicas precisam ser feitas a partir do contexto e do entendimento das juventudes, porque hoje em dia é no plural. Discutir a partir dessa dinâmica é ter diagnóstico. Que é o que sairá dessa nossa análise completa até o final do ano.

Este ano em Florianópolis aconteceram 95 mortes violentas. Dezoito delas em intervenções policiais. Quem são essas vítimas?

Pobres da periferia, que se vitimaram. Eu digo, ‘não passou um helicóptero e jogou quatro, cinco jovens nessa comunidade; quatro, cinco jovens naquela outra comunidade’. Esses garotos foram se formando ao longo do processo por falta de oportunidades, por ausência de estrutura, inexistência de uma política baseada em cima da vida dessa juventude, por carência de área de lazer, cultura, escola.

 FLORIANÓPOLIS, SC, BRASIL - 16/08/2018Padre Vilson Groh

“Nossa proposta é mostrar que podemos mudar”, enfatiza padre Vilson Groh

O gatilho nessas mortes foi apertado bem antes?

Foi.

Quem apertou o gatilho?

Quem é o maior indutor da violência? O Estado. E o Estado é indutor da violência quando? Quando ele não implementa política pública.

Uma realidade difícil de mudar.

Mas nossa proposta é mostrar que podemos mudar.

Como que a pessoa que ler esta entrevista pode ajudar em formar na cidade uma segurança cidadã?

Com a possibilidade do trabalho de voluntariado. Temos mais de 400 profissionais e voluntários no Instituto que atuam em ações de promoção de inclusão social e cidadania.

 

Por Leonardo Thomé – leonardo.thome@somosnsc.com.br

Fonte: http://horadesantacatarina.clicrbs.com.br/sc/geral/noticia/2018/08/a-solidariedade-nao-e-decreto-nasce-no-coracao-diz-padre-vilson-groh-10540597.html

Fotos: Marco Favero / Diário Catarinense

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