Um presente para o futuro

[:pt-br]Um presente para o futuro é um artigo de Pe. Vilson Groh, publicado em abril de 2020, no auge da pandemia da Covid-19.[:]

Um presente para o futuro | Olá amigos, espero que estejam todos bem, com corpo e espírito nutridos dentro das possibilidades de cada um. Eu gostaria de trazer uma reflexão um pouco mais profunda – e inevitavelmente mais longa – a respeito do que estamos vivendo. Mas também num segundo momento dessa fala, convocar a todos para encaminhamentos mais práticos e urgentes.

Penso que hoje é preciso que cada um de nós olhe pra dentro de si. Que a gente reconheça e aceite nossos medos e angústias e entenda que esses sentimentos, agora, nos unem. Mesmo com todas as diferenças que as culturas e a profunda desigualdade econômica desse mundo nos impõe, poucas vezes nos percebemos tão conectados. Então esse é um momento complexo e desafiador, mas também é um momento de revelação. Uma grande revelação. Ali, invisível para muitos de nós, embaixo de uma palha finíssima que esse vento mais forte levou, estava intacta a profunda INTERDEPENDÊNCIA que vivemos enquanto seres humanos. As idéias de individualismo e autossuficiência, embutidas na cultura da desigualdade, não resistiram um minuto diante da envergadura desses dois desafios que estamos encarando simultaneamente:

1. Dois desafios

1. 1. Pandemia

O primeiro desafio, é uma ameaça imediata à vida. Sem importar se há grupos com mais ou menos risco de a perderem. Estamos vendo uma dura resposta do planeta, da mãe terra, para a forma impensada e nada racional com que temos explorado sua ocupação e seus recursos. Vírus antes restritos às outras espécies e aos espaços naturais preservados, são claramente uma resposta da natureza à essa profanação. Sim, profanação é a palavra mais justa. Mas não há nenhuma justiça divina ou natural em punir os mais fracos pelos erros dos mais fortes. Essa lição, aprenderemos lutando pela vida de TODOS.

1.2. Economia

O segundo desafio é uma consequência inevitável do primeiro, mas não menos complexo: uma ameaça à economia como um todo, portanto uma ameaça à uma das engrenagens de sustentação da vida, esse sistema não natural mas já muito antigo, onde todos estão conectados. Sistema, que ao precisar ser desligado em grande parte como agora, entra num rápido colapso, revelando toda sua fragilidade. Porque nele não há plano B para a maioria de nós. Estamos ouvindo chocados as falas que naturalizam as mortes por uma doença ou a ausência de qualquer renda para milhões de pessoas. Mas esses interlocutores supostamente pragmáticos, com suas vozes e privilégios, não representam as reais vítimas desse desligamento temporário. No lado do emprego formal sabemos que são as micro e pequenas empresas os maiores empregadores do país. E no da informalidade, que ela já atinge quase metade dos brasileiros. Uma metade que tem forte intersecção com outra metade: a dos que vivem com até meio salário mínimo. Essa é a nossa gente que ganha para o mês, para a semana, para o dia. Em Santa Catarina, em comparação com a média brasileira, onde eu disse metade, leia-se um quarto da população, o que não torna as consequências desse desligamento temporário menos alarmantes. Sim, sabemos que infelizmente o isolamento social agrava esse quadro e temos testemunhado esse agravamento todos os dias.

Nós que vivemos essa realidade das ruas e comunidades, sabemos desde sempre que economia e vida não se opõe. Não há vida humana sem economia. Em qualquer sistema econômico, a economia também é a roda que repõe o que está sendo consumido. Mesmo quando essa reposição é feita com terríveis desigualdades e privilégios como no nosso país.

2. Um único caminho

Nesse exato momento existem teorias, diagnósticos, interesses mais ou menos legítimos, urgências mais ou menos legítimas que usam essa falsa dicotomia, essa falsa oposição entre vida e economia, para disputar uma narrativa que defina onde estaria o maior problema. Morrer doente ou morrer de fome? Um fatalismo que tenta nos convencer de que precisamos fazer uma opção trágica, como entregar um de dois filhos para a morte. E nós estamos cansados de saber de onde, de que parte da sociedade, virão a maioria desses filhos, pais e avós entregues para uma reeditada espada espartana.

Pois bem, não entregaremos nenhum deles.

Escolhemos a VIDA e a VIDA.

A vida é sagrada, não se negocia, não se relativiza.

Pela vida se luta. Em todos os campos e momentos.

E assim convocamos TODOS, para que se unam em seus medos, suas coragens, seu sentido comunitário, seu amor. Porque nunca foi tão clara a profundidade e a beleza da nossa conexão. A luta pela sobrevivência e pela superação desses desafios como sociedade, como civilização, é o sentido maior que o EXISTIR pode nos dar agora. Viver o agora, PRESENTES, dentro das nossas cidades, das nossas comunidades. E dar ao mais profundo entendimento sobre o que é SER HUMANO, a única forma possível, que é a forma da AÇÃO.

3. Ação e Posicionamento

3.1. Pandemia e isolamento social

Sobre a pandemia de coronavírus: Para além dos debates intermináveis sobre aspectos que podem atenuar ou agravar em nosso país a tragédia inequívoca que se abate sobre tantos irmãos de outros países, é também incontestável que o isolamento social é hoje a grande arma das cidades para evitar o colapso dos sistemas de saúde e para proteger sua população mais frágil. A grande maioria dos países citados como exemplo dos que não optaram por ele, já recuaram diante dos fatos. Florianópolis, apesar de um número ainda pequeno de mortes registradas, já tem hoje um dos maiores coeficientes de contágio por habitante dentro das capitas brasileiras, segundo o Ministério da Saúde. Nós defendemos a manutenção e a ampliação do isolamento social, se assim seguirem indicando as autoridades médicas e as experiências melhores sucedidas no mundo, principalmente nesse momento em que a chamada curva de contágio acelera na nossa cidade. Essa é a nossa posição. Nas comunidades periféricas, temos visto diariamente um enorme esforço para que se cumpra a tarefa do isolamento. A maioria está reclusa atendendo aos decretos dos poderes públicos. As dificuldades apontadas por muitos para o isolamento dito vertical apenas para os grupos de risco, como a falta de cômodos, banheiros e de tudo que precisaria ser duplicado, são nessas comunidades obstáculos mais que reais, são imperativos. Aqui, a livre circulação e atividades dos indivíduos fora do chamado grupo de risco, tornará impossível o não contágio familiar da imensa população de idosos, debilitados, acamados, portadores das chamadas comorbidades e toda uma série de fatores ainda em estudo que podem agravar a intensidade da covid-19.

3.2. Pandemia, controle e comunicação

Sobre os esforços pelo aumento do número de testes para detectar a presença do vírus, precisamos sublinhar a necessidade de que cheguem antes, ou ao menos não tardiamente, nas comunidades periféricas. A maior fragilidade nas condições para o isolamento presente nesse contexto social, obriga que os gestores da saúde tornem isso uma prioridade.

Tão urgente quanto, é criarmos alternativas para a informação de qualidade sobre a pandemia nessas comunidades. Principalmente de informação oficial, das autoridades de saúde. Com objetividade, clareza, linguagem e o uso da tecnologia. Com proposições que considerem as particularidades e limitações desses locais, para uma efetiva proteção das pessoas. Uma cartilha didática, única, um porto seguro que se oponha a fragmentação de informação que vemos. Todos estão conectados às redes durante essa reclusão, mas a maioria segue perdida entre os medos, o excesso de termos e especulações científicas, as disputas narrativas das quais são as principais vítimas. Além disso, chama atenção a contradição entre decretos, propagandas e aconselhamentos, justamente por parte dos gestores públicos que carregam a responsabilidade do que chamamos COMUNICAÇÃO SOCIAL.

Sob uma unidade estratégica, a mídia em geral e o nosso setor privado da tecnologia que é referência no país, podem e devem contribuir com algumas dessas soluções.

4. Três economias

A paralisação econômica e a diminuição ou desaparecimento súbitos da renda, que agravam enormemente uma situação que já era difícil, é o que mais impacta nosso trabalho nas comunidades nesse momento.

Como dissemos, essa economia privada, que sustenta boa parte do nosso modelo econômico, precisou ter uma parte desligada, para a defesa imediata e necessária da vida das pessoas e das estruturas de atendimento de saúde. Para além do desespero – que se justifica pela ausência ou diminuição sensível da renda familiar – e da dificuldade natural que temos em encarar uma nova realidade que nos é amedrontadora, está claro que não haverá uma volta normalizadora das atividades econômicas antes que a fase mais aguda da pandemia nos atinja e depois recue. Para muitos, principalmente os empreendedores com menor estrutura, esse desejo ou precipitação que desconsidere os fatos científicos, pode significar o aprofundamento dos seus problemas, além do evidente risco à saúde de todos. E quando essa volta gradual ocorrer, em qualquer tempo, os problemas seguirão por resolver, dada a forma com que já se instalaram. Sendo assim, o que faz um país, um estado, uma sociedade ou uma cidade, em momento de profunda retração econômica econômica? Os exemplos perversos conhecemos. Mas falemos dos bons, que temos de sobra na história do mundo, inclusive em regiões desse nosso estado diversas vezes assolado por cataclismas: substituímos temporariamente parte dessa economia privada pelo forte incremento de duas outras, a economia de ESTADO e a economia SOLIDÁRIA. Que também dependem da economia privada, mas na revolução de suas prioridades e engajamentos, podem nos dar lastro pra cruzar a tormenta. E precisamos fazer isso com toda a força que vive em nós, dos que ocupam os mais altos cargos e posições, até o mais simples cidadão. Que já se igualaram, na chuva, na lama, nos escombros, no desejo de salvar a vida de desconhecidos. São desses momentos de rara conexão que estamos falando, já os conhecemos. Sejamos assim grandes, meus amigos, o momento nos obriga. Infelizmente, é fato que teremos muitas e muitas perdas econômicas que se reverterão em um comprometimento do sustento e da qualidade da vida de muitos por um tempo ainda desconhecido. Mas o ser humano já avançou em capacidades e conhecimentos mais que suficientes para cogitarmos as escolhas medievais.

Estamos assistindo estarrecidos a lentidão e a relutância de Brasília, em agilizar o mais tímido socorro para uma parcela dos que já estão precisando muito. Ao mesmo tempo em que os bancos que mais lucram no mundo recebem do governo um aporte trilionário sem exigência de contrapartidas. Estão, para espanto geral, subindo taxas para novos empréstimos. Governos estaduais e municipais não podem esperar. Em que pesem as iniciativas e parcerias já em curso, é preciso agir mais efetivamente. Aqui estamos fazendo o de sempre, trabalhando diuturnamente para atenuar sofrimentos. Mas pra sermos efetivos numa realidade que pode rapidamente tornar o doador solidário de hoje o necessitado de amanhã, precisamos de um grande movimento. Um engajamento crescente do poder público e de toda a sociedade, ferramentas eficientes e potentes de comunicação, criatividade, logística, tecnologia, voluntários para as tarefas mais simples mas também os capazes de participar dessa gestão e organização de análise das prioridades. Precisamos sobretudo transmitir esse sentimento, essa responsabilidade que temos como coletividade, como civilização. Nós da sociedade civil podemos e queremos ser parte importante e atuante desse movimento, mas não podemos dar conta de todas as urgências , que crescerão em escala tão exponencial quanto o vírus nas próximas semanas.

5. Um presente para o futuro

Concluindo, dizer que, muito mais do que a exaltação ou execração instantâneas dos que vestem ou tiram a camiseta do valioso isolamento social neste momento, é preciso que as humanidades venham a tona de forma madura. Que nos escutemos. Que nos conectemos de fato, como instituições, mas sobretudo como pessoas, para encontrarmos os caminhos dentro dessa postura inegociável de defesa da vida. Essa é a decisão que lá na frente será a nossa luz, nossa consciência, nosso espírito, quando tivermos superado tudo isso. Quem sabe, o espírito que buscamos para construir um futuro mais justo.

Muito Obrigado e fiquem com Deus.

Pe Vilson Groh

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