Last Updated on 24 de outubro de 2025 by Lucano Brito
Artigo de Padre Vilson Groh publicado originalmente, no dia 24 de outubro de 2025, em “Opinião do Leitor” do Jornal ND. — Em tempos em que o mundo se apressa em julgar, é urgente lembrar que por trás de cada pessoa em situação de rua há uma história — muitas vezes marcada pela dor, pela perda e pelo abandono. Quando falamos sobre políticas públicas que afetam essas vidas, precisamos olhar além das normas e dos decretos. Precisamos enxergar pessoas.
A recente decisão que restringe a distribuição de alimentos por grupos organizados na cidade convida à reflexão. Não se trata de criticar, mas de compreender o movimento como uma oportunidade de construir caminhos convergentes — caminhos que unam Poder Público, sociedade civil e as tantas organizações que há décadas atuam nas ruas, não apenas com a entrega de refeições, mas com olhar, escuta e presença.
Esses grupos não distribuem apenas comida. Distribuem humanidade. Um prato de arroz e feijão pode parecer simples, mas muitas vezes é o primeiro elo de confiança entre quem vive à margem e quem estende a mão. É um gesto que alimenta o corpo, sim — mas que também nutre a alma, reacende a esperança e reafirma o direito de existir.
Negar essas ações é, de alguma forma, negar o direito à cidadania. É privar escolhas que constroem o amanhã. Um prato de comida não é apenas sustento; é símbolo de acolhimento, de pertencimento e de reconstrução. Ele lembra a todos nós que ninguém deve ser invisível em uma cidade que se pretende justa e humana.
O que se pede, neste momento, é a valorização dos laços e criação de novas possibilidades. Que o diálogo prevaleça. Que as instituições e o Poder Público reconheçam e integrem esses esforços voluntários como parte de uma mesma rede — uma rede que precisa estar voltada não apenas ao controle, mas ao cuidado e à reintegração plena.
Uma cidade que se fecha em regras perde o coração; uma cidade que abre espaço para o encontro reencontra sua alma. É possível organizar, regulamentar e garantir segurança sanitária sem sufocar a solidariedade. É possível transformar boas intenções em políticas eficazes, desde que o centro das decisões seja sempre o ser humano.
Porque o alimento que realmente transforma é aquele que devolve sentido à vida. E toda política pública digna desse nome deve começar exatamente por aí: reconhecendo a humanidade que nos une e garantindo o direito de cada pessoa ser vista, acolhida e respeitada.





Imagens feitas no dia 22 de novembro de 2021, no Dia dos Pobres, em frente à Catedral Metropolitana de Florianópolis.


